31 de março de 2011

O que é Deus? Deus é sobretudo relação; relação de amor.

As abordagens mais recentes da filosofia e da teologia afastam-se dos esquemas metafísicos aristotélico-tomista e Kantiano, onde se concebia o “eu” (a pessoa) como substancial e permanente. Contudo, nos dias de hoje percepciona-se um eclipse desse “eu” substancial e permanente, uma vez que a psicologia diz que o “eu” começa a surgir com as relações com a mãe; as neurociências dizem que é um processo biológico (nasce do sentimento de si próprio). Assim, o nosso “eu” corresponde a uma série de experiências que dão a percepção do “eu”, aplica-se ao conjunto de todas as experiencias, não se refere a uma experiência única. O “eu” é uma criação mental.

Se o “eu” é o resultado das várias experiências que vamos vivendo, então, não existe um “eu” pré-existente, nem um “eu” pós-existente. Mas, sim um “eu” relacional, que surge na medida em que experienciamos e estabelecemos relações interpessoais. Já não existe um “eu” permanente, mas um “eu” que muda. Tudo está em mudança. Por exemplo: em Jesus Cristo, Deus apareceu a mudar.

Boécio, por volta do século V, define pessoa como uma substância individual de uma natureza racional. Esta definição foi a desgraça do ocidente, pois, está na base de todo o individualismo. Olhamos para o mundo e poderemos dizer que vivemos num individualismo levado ao extremo, em que o “nosso” é cada vez menos frequente.

Contudo, ser “eu”, ser pessoa, não é ser individual, solitário, mas sim ser relacional. É isto que caracteriza a pessoa: a relação. O Papa Bento XVI defende fervorosamente esta perspectiva, para ele “aquilo que não se relaciona e não aceita relacionamento, não poderia ser pessoa. Não existe pessoa no absoluto singular. (…) O conceito de pessoa inclui necessariamente a superação do singular”. Portanto, ser pessoa é pura relação, e a pessoa só existe como relação. É uma relação que busca a unidade. Mas, para ser unidade pura só poderá realizar-se no relacionamento do amor. Deste modo, o “eu” é, ao mesmo tempo, aquilo que tenho totalmente e aquilo que menos me pertence. Pois, o ser humano está tanto mais em si mesmo quanto mais está no outro. Ele só chega realmente a si na medida em que se afasta de si. Ele só chega a si mesmo pelo outro e pelo ser no outro. Assim, o ser humano chega a si na medida em que vai para além de si. E o Homem é Homem porque se ultrapassa infinitamente a si mesmo, e por isso é tanto mais Homem quanto menos fica fechado em si, “limitado”. O ser humano não é aquele ser que pode subsistir e permanecer por si próprio, mas aparece como aquele ser que só pode ser a partir do outro.

O que é Deus?

Deus é sobretudo relação; relação de amor. “A profissão de fé em Deus como pessoa inclui, necessariamente, a profissão em Deus como relação”, pois, em Deus existem três pessoas (o Pai, o Filho, e o Espírito Santo) que são diferentes, mas formam uma só realidade que é Deus. Apesar de serem pessoas diferentes, elas não têm limites, uma vez que são interdependentes umas das outras.

Assim, constatamos que “Deus dialoga consigo mesmo. Existe um «nós» em Deus”. Por exemplo podemos ver este diálogo na oração sacerdotal: “Pai, quero que onde Eu estiver estejam também comigo aqueles que tu me confiaste”. Esta descoberta do diálogo no interior de Deus faz com que se supusesse a existência de um eu e de um tu em Deus, o que constitui elemento de relação. Deste modo, Deus é um na sua substância, mas existe n’Ele o fenómeno dialogal, de troca mútua de palavras e amor dentro do Deus uno e indiviso. Pois, faz parte da essência da personalidade trinitária ser pura relação e, por isso mesmo, unidade absoluta.

O que é ser cristão?

Ser humano é relação. Deus é relação. E ser cristão é querer viver plenamente e de modo especial a relação de amor.

Ser cristão não significa persistir para si e em si, mas sim viver totalmente aberto na relação “a partir de” e na “direcção de”. Procurando, por conseguinte, a unidade com Cristo – “para que todos sejam um”. Deste modo, a vida cristã consiste em aceitar e viver a existência como relacionalidade, para entrar dessa maneira naquela unidade que é a base que sustenta toda a realidade.

Ser cristão não visa um carisma individual, mas sim um carisma social. Por exemplo, se existissem apenas Deus e um conjunto de indivíduos isolados, o cristianismo de facto não seria necessário. Portanto, a Fé cristã não parte de indivíduos atomizados, mas da convicção de que não existe o ser humano isolado, de que ele só é ele mesmo como ser integrado no todo, na humanidade, no cosmos. A Igreja e a Fé cristã não estão viradas para a pessoa isolada que ambiciona pela sua “salvação” individual, mas sim referem-se ao ser humano que existe ao lado de outros seres humanos numa trama colectiva de inter-relacionamentos.

Se existem cristãos é porque, para a história, é necessário e faz sentido a diaconia cristã, isto é, o serviço, o dar-se aos outros. Ser cristão é, deste modo, participar de uma diaconia em prol do todo, uma vez que só no todo somos verdadeiramente aquilo que somos. Assim, constatamos que o cristianismo está orientado para o todo, só podendo ser entendido a partir da comunidade, por ser não a salvação do indivíduo isolado, mas sim acção ao serviço do todo. Então, ser cristão significa essencialmente passar do ser em prol de si mesmo para o ser em prol dos outros; significa o abandono de uma atitude de centralização em si e a adopção da existência de Jesus Cristo que se move inteiramente para o todo. Mas, para o ser humano atingir o todo tem que “seguir a cruz”, ou seja, o ser humano tem que deixar para trás o isolamento e a tranquilidade do próprio eu, tem que se afastar de si mesmo, para, contrariando o próprio eu, seguir o crucificado e colocar-se totalmente ao serviço dos outros. “Em verdade, em verdade vos digo: se o grão de trigo, lançado à terra, não morrer, fica ele só; mas, se morrer, dá muito fruto”, pois, a vida só nasce da morte, isto é, da perda de si mesmo.

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